quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Edward


Eu ainda roo as unhas.
Disseram-me que não poderia e por isso sempre as devorei.
Em sussurros "ato afeminado", e sem pressa alguma,
calado, dois dedos na boca botei.

Entre dentes, talvez por ser sujo e errado,
as sangrei em demasiado, sem nojo ou pudor.
Gargalharam-me sempre que dizia, aquelas tortas, gélidas e frias
palavras públicas de pavor.

Eu ainda roo as unhas.
Talvez para assegurar que não sou capaz de tudo,
e que nem dos próprios dedos cuido, quem dirá
do programático metódico futuro.

Na ansiedade do tempo que não passa.
As unhas ou garras que devoro
sejam marcas de choros que não choro
e que hoje são mais de poesia.

Eu ainda roo as minhas unhas.
Na estética do inverso que tenho.
Sou contrário ao reflexo que fixa a normalidade anormal que provenho.
Entre unhas devoradas, banquetes de engarrafamentos,
aflições de não programados momentos, me fizeram resistente.

Hoje não sou mais menino, e na face do homem rogado,
organizado e as vezes cretino, as observo com determinação.
Elas têm formatos, desejos e cor pois, se as unhas eu ainda roo,
existe vivo um passado camuflado de autor.

Fábio Pinheiro