sexta-feira, 13 de outubro de 2017

O gole final

Ele era o pior de mim.
O nosso amor se alimentava,
se sustentava, 
dos  meus sonhos, dos desejos.
Tudo que há de ruim. 

Então se revestiu de toda mentira. 
Ele era plástico, 
boneco de beleza matinal. 
Ainda errava os pronomes, 
constantes hinos da suburbana de cristal.

Diluído em homeopatias, 
carregava em palavras frias, 
insanidades em falsas verdades.
Ele era, não menos que uma farsa. 
Uma linda farsa, eu assumo, 
que um dia comprei em promoção.

Não posso lhe dizer que de tudo
errei sem pensar. 
Você foi uma passagem de turbulências,
despido e sozinho, sentei-me a viajar.

Recomponha-se, menino. 
As malas estão na porta, 
As malas vazias,
Lotadas de ventanias em compotas. 

Fábio Pinheiro 


sábado, 29 de abril de 2017

Adiós

Eu me apaixonei por um espelho.
Ele era, não mais belo, não mais perfeito
do que os meus sonhos.
Não haveria vontade maior de ser,
o que jamais eu seria. 

Entre lábios serrados, 
cabelos cacheados,
eu estava perdido. 
Não cabia em mim maior felicidade, 
e por isso, somente isso, 
o quebrei. 



Fábio Pinheiro

sexta-feira, 3 de março de 2017

Porto de Quimera


Como em um sonho ele me acordou.
Meio desconsertado, sim ele era. 
E eu, não menos, um silêncio entre 
olhares de espera. 

Dentes alinhados como trilhos de trem,
cabelos desgrenhados como as tristezas 
que vão e vem. 

No silêncio do ápice, entre meias luzes,
cortadas pelas frechas do momento.
Minha alma era parte morta,  
você um porto, instável com o vento. 

Sua mão segurou a minha, e não havia ali,
nem depois,
meia vontade para partir. 

Estava declarado o fracasso por completo. 
Não se tratava de ter um navio,
Sem mais espera, 
As lágrimas clamavam por um porto de quimera. 

Meus sonhos eram parte final de um desvaneio. 
Meus navios,
abismos com buracos marcados no meio. 

A este diário de bordo posso confessar que me perdi. 
Talvez me ache na confusão das certeza que tinha,  
Aqui jaz morto, afogado, entre folhas na escrivaninha. 



Fábio Pinheiro 

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Edward


Eu ainda roo as unhas.
Disseram-me que não poderia e por isso sempre as devorei.
Em sussurros "ato afeminado", e sem pressa alguma,
calado, dois dedos na boca botei.

Entre dentes, talvez por ser sujo e errado,
as sangrei em demasiado, sem nojo ou pudor.
Gargalharam-me sempre que dizia, aquelas tortas, gélidas e frias
palavras públicas de pavor.

Eu ainda roo as unhas.
Talvez para assegurar que não sou capaz de tudo,
e que nem dos próprios dedos cuido, quem dirá
do programático metódico futuro.

Na ansiedade do tempo que não passa.
As unhas ou garras que devoro
sejam marcas de choros que não choro
e que hoje são mais de poesia.

Eu ainda roo as minhas unhas.
Na estética do inverso que tenho.
Sou contrário ao reflexo que fixa a normalidade anormal que provenho.
Entre unhas devoradas, banquetes de engarrafamentos,
aflições de não programados momentos, me fizeram resistente.

Hoje não sou mais menino, e na face do homem rogado,
organizado e as vezes cretino, as observo com determinação.
Elas têm formatos, desejos e cor pois, se as unhas eu ainda roo,
existe vivo um passado camuflado de autor.

Fábio Pinheiro