Quando eu era criança, acordava aos finais de semana com a batida do liquidificador e o cheiro de ovos com bacon. Meu pai, sempre revisando o seu fusca 76, que o acompanhava há um bom tempo. Sentava-me à mesa e esperava. Pegava o meu pão e meu copo. Deliciava-me com as longas conversas, sobre tudo que uma criança poderia entender. Dentro de casa, minha mãe ria e comentava aos poucos tudo o que era dito do lado de fora - ela me parecia feliz. E triste. E feliz. Não sei ao certo, pois não se mede infelicidade quando não se conhece a verdadeira tristeza.
Sempre o acompanhava aos lugares que me cabia ir. Ele não bebia e eu o admirava por isso - dentre tantos copos amarelados, existia sempre um marrom coca cola.
Meu pai viajava para vários lugares, do Brasil e do mundo. Mas, nessa época, as viagens eram domésticas e cada segundo em sua cama de casal era precioso. Acordava agarrado à minha mãe e ríamos a manhã toda com nossas histórias. O dia era nosso, de bata-frita, de bananadas e de filmes dividindo um único sofá, o mesmo sofá que me acolhera quando era recém-nascido, o qual sempre me lembrava. Os desenhos da manhã eram interrompidos pelos jatos e caças que cortavam os céus.
Havia feito natação por um tempo, prescrição médica para meu tratamento de sinusite, e eu adorava, era realmente bom. Nadava melhor que as outras crianças e prendia o ar por mais tempo. Gostava de ver o sorriso dos meus pais na beira da piscina.
As noites eram marcadas por pesadelos, sempre pesadelos... um pouco de sonhos, e mais pesadelos. Eu era inocente. Verdadeiramente inocente.