quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Estou pronto.

 
Lembro-me bem da última vez em que estive vivo. Ainda era de manhã quando o relógio apontava as dezesseis. Deturbado entre alegrias ilusórias, impulsionado entre falácias compulsórias, a respirei pela primeira vez. Meus questionamentos eram livros de capa dura.  A incoerência era formada entre goles fortes de incertezas. Anoitecia para que eu fosse fisgado. Eu era um refém que pedia para ser amordaçado. Incoerência, era beleza morta, refletida, invertida em euforia que ninguém se importa. Lembro-me bem da última vez em que estive vivo. Tarde de sol fraco, quase noite, céu alaranjado. Guiava-me pelas avenidas que nunca existiram, eu era um bispo sem cavalos, tabuleiro vazio em um jogo inacabado. Minha concentração estava nos seus olhos. Competia com o chá da mesa, dois goles como em um antigo ritual de defesa. E em todas as minhas quatro vidas, essa foi a mais bela. Talvez por ser a primeira, talvez por ser inocente quanto o feroz sexo da terceira. Não me lembro. Sim, lembro-me bem da última vez em que estive vivo. Meus passos eram sincronizados com o ambiente. Meus sentidos eram espasmos. Meu ritmo era uma festa que rasgava o peito sem permissão.  Revelo-me entusiasmado porque não existem momentos como esse, querido. Momentos de morte, sorte, desejos embrionários para voltar a estar vivo.  
 
Fábio Pinheiro.